O vento sibilava entre as frestas da janela, e o outono espalhava folhas secas pelo quintal. Dentro da casa antiga, Sonia acendia velas. O relógio marcava meia-noite. Halloween.
Fazia exatos três anos desde que Sabrina partira ,quinze anos, um riso doce e um tumor cruel que a levou rápido demais. Desde então, o mundo perdera a cor para Sonia. Vivia entre fotos, lembranças e o perfume que a irmã deixara impregnado nos lençóis.
Mas naquela noite, Sonia não queria apenas lembrar.
Ela queria ver.
Nem que fosse uma vez.
Nem que custasse caro.
Na mesa, dispunha objetos como aprendera em um livro antigo que encontrara num sebo: uma vela preta, uma branca, uma mecha do próprio cabelo e o colar que pertencia a Sabrina. Ajoelhou-se, o coração acelerado.
— Só por uma noite... — sussurrou.
As chamas vacilaram. O ar pareceu engrossar. O silêncio da casa se tornou pesado, como se o tempo tivesse parado para observar o que ela fazia
Um frio percorreu-lhe a espinha.
E então, um sussurro.
Baixo. Familiar.
— “Sonia...”
O colar de Sabrina tremia sobre a mesa. As velas se inclinaram na direção da voz. Sonia sentiu o ar rarefeito, o chão girar. De repente, ela não estava mais na sala , ou estava, mas o ambiente era outro: a luz era azulada, as paredes pareciam respirar.
Diante dela, uma figura surgia.
Rosto pálido, cabelos soltos, olhos meigos.
Era Sabrina.
— Irmãzinha... é você? — perguntou Sonia, chorando.
Sabrina sorriu, mas seus olhos traziam uma melancolia que Sonia nunca vira.
— “Eu senti sua falta, mas você não devia ter me chamado. Aqui não é lugar para vivos.”
Sonia se lançou para abraçá-la, mas o corpo de Sabrina era feito de névoa. A sensação foi gelada, como se o toque drenasse sua própria força.
— Só mais um abraço, por favor! — implorou Sonia.
— “Você me prende quando não me deixa ir...” — respondeu a irmã, com a voz distante, quase como o vento entre árvores. — “Eu estou em paz. Mas você, Sonia... está presa ao que já morreu.”
Sonia caiu de joelhos, soluçando.
A imagem de Sabrina começou a se desfazer, e a luz das velas tremeluziu até se apagar.
Quando a escuridão tomou conta, apenas o colar ficou sobre a mesa agora quente, como se guardasse o calor de um último toque.
Na manhã seguinte, os vizinhos encontraram Sonia dormindo no chão da sala, com um leve sorriso no rosto e o colar entre os dedos. Pela primeira vez em anos, parecia tranquila.
Dizem que, naquela noite, alguém ouviu risadas de meninas ecoando pelo quintal uma delas, doce e viva, como a de Sabrina.







